Nasce o sol pra mais um dia de sacrifícios
Aprumam-se os patrícios visando o dia que vem
Já esperam por manotaços e puaços
Dos futuros companheiros de lida
Acalma a peonada na roda de mate
Um a um como num arremate são escolhidos a dedo
Cavalos de toda crina, um mais viril que o outro
Sem pensar nem de relancina em seus destinos
Não são malinos mas é a ordem do patrão
Judiar de mais de um redomão por capricho
Sei que não é gente, é bicho, mas merece respeito
Já nasceu deste jeito, foi Deus quem quis assim
Lembro bem de mim, quando ouvi o primeiro grunido
Aquele longo gemido que vinha da alma
O fio da faca nunca acalma, a dor do parceiro
Que nos amadrinha com orgulho e devoção
Sei que as dores do coração são empurradas
E amarradas pela bravura deste chão
Não posso conter a emoção ao lembrar
De como aprendi a castrar nos atalhos dessa vida
Como uma sina, de lida nunca quis pensar
Em um dia amarrar potro pra esse fim
Precisava ser assim? Frio e inquieto...
Hoje é a vez de meu neto, conhecer o legado
Avistar potro amarrado sem importar o pelo
Possa ser cuidado com zelo tem o mesmo fim
Sempre é trazido pra mim na idade correta
A lágrima é certa, mas o serviço deve ter fim
Com uma gota por potro já fiz rio
Desfiz tanta alegria de muito aporreado
Essa angustia me mata, mas aceitei o destino
Precisa é a incisão no calor da emoção
Meu neto até hoje so olhara ao redor
E ao menor de meus gestos traiçoeiros
Em meio aos caborteiros ele vai repetindo
Em sangue esvaindo, respeitando a tradição
Essa mistura de emoção com ares que arrependimento
Tocam meu coração aflorando os sentimentos
Meu neto já traz na alma a imagem do castrador
Não tem medo da dor, leva respeito e humildade
Mostra a humanidade que tem seu valor
O oficio de castrador passado de pai pra filho
Um legado honrado na figura da pampa
Traz em sua estampa uma cirurgia primitiva
O guri já tinha 13 anos de campo
Não foi criado a espanto da circunstancias
Aprendeu nas estâncias a ser homem
Cada coisa a seu tempo, sem atropelos
Conhece todos os pelos que podia
Naquele dia, sentiria o calor do sangue
Mais de perto o sentido de dor
E o bafo de um relincho ao ouvido
Um palmo de prateada e mais nada
Ensinei em uma volteada iniciar o serviço
Pega no ponto certo o vivente sem medo
Meu neto mete os dedo, na espinha um arrepio
A prateada ia canta alto naquela hora
Mas do garoto a demora canso a peonada
Sem mais nada a garantir, o garoto a sorrir
Pediu so mais um achego, já tinha passado o medo
Terminei o serviço ali mesmo, ligeirito
Do piá ouvi um grito reclamando ser dele
Separei pra ti foi aquele, num suspiro retruquei
Trazendo o do patrão, maneei e larguei pra ele
Me arregala os olhos num ato de desespero
Meu neto, meu herdeiro, não te michas assim
Faz o serviço pra mim, é o que lhe peço
Vai ser teu primeiro, porque já foi meu ultimo
Sorriu a capricho, pediu que trouxessem o bicho
Recosto a prateada que ganhara quando gurizote
Sempre com ela a trote vinha me fazendo costado
Gostava do som dela de lado num alambrado
O matungo já tinham arrastado pra perto de nós
Não se ouvia um pio da peonada
Tinha até uma moça prendada passando o amargo
Uns iam mesmo no trago, outros, so esperando o guri
De frente ao baio do patrão, de fana na mão
Meu neto que nunca foi inquieto, acalmou-o
Me pediu um ultimo conselho pra tal maldade
Não importa a idade, o serviço será feito
“Meu neto, vá com jeito que o Patrão Celeste te acompanha”
Não sentia mais frio, so o gelo de um fio de faca
Afastou-lhe as patas visando seu objetivo
Sempre ficaram vivos os potros que castrei
Com ele, eu sei, não seria diferente
Serrou na boca os dentes evitando o choro
A emoção lhe continha, enquanto mais perto vinha
Daquele meio centauro que ao patrão faria costado
Estava de pé amarrado sem caminho a seguir
O rapazito era mais ligeiro do que eu esperava
Enquanto a ultima maneia apertava num susto
O fio da faca foi ouvido, era mais um partido
Com incisão de respeito, não teve outro jeito
Espalhou-se a peonada em mais um silencio
O patrão seu Juvêncio, vinha conferir o serviço
O que tinha feito com seu petiço naquela manha
Seria do piazinho algum feitiço, daquela estirpe
Um corte sem muito sinal, sem judiar do bagual
De pouco sangue para a terra sedenta
A mangueira nem ficou sangrenta nesse dia
Reluziram os olhos por respeito ao trabalho
Parece até mentira contar, o potro não pode andar
Isso já era esperado, mesmo ainda maneado
Virando a cara pro castrador, em meio ao calor
Parece ter agradecido um pouco menos de dor
Um rancho com céu aberto, viu nascer por certo
Mais um companheiro de cina, um dia buscará uma china
Mas nunca deixará do oficio, esse meu é patrício
Levando o legado da família por onde for
Joga truco cantando flor, declama de peito aberto
Sempre de chapéu entre o corpo e o teto
Não aprendeu a ser cantor, Deus não lhe deu esse dom
Trouxe sim foi de berço uma herança, a de castrador.
Diôzer R. Dias