Tenho que confessar, sempre vivi rodeado de segredos, mesmo sabendo que isso não poderia ser muito bom. Revivi por várias vezes o mesmo momento a mesma angustia as mesmas sensações que somente uma pessoa nas minhas condições poderia sentir.
Ninguém imaginava, eu sempre menti muito bem, alguns segredinhos como dizia minha mãe, nem mesmo os contava a meus amigos, de formas abstratas maquiava meu rosto, minha alma, minha vida. Na escuridão dos pensamentos vivia, ou ao menos acreditava que fazia isso, nunca me arrependi do que escondi, acho que já é chegada a hora deles virem a tona.
Sem coragem para tal eu fugi mais uma vez, dias e dias se passaram longe de casa, mais uma vez meus segredos foram aumentando quando voltei, uma ida sem fim, meu pai sempre dizia que mentira tem perna curta, hoje sei bem como é isso. Desde a primeira vez que comecei, a primeira enganação, se passaram apenas oito messes, será realmente que o que fiz foi bom?
Olhando hoje onde estou vejo que não, se arrependimento matasse, eu já não estaria mais aqui. Pela experiência aprendi que não existe mentira perfeita, primeiro meus amigos conheceram um de meus segredos, mas quando isso aconteceu, já era, eu já não tinha mais volta, as opções de continuar eram muitas, as de parar, nenhuma a meu ver.
Tudo começou com apenas uma prova, em casa menti com medo da represália, depois mais uma, e mais duas e dai era eu quem pedia, estava alucinado, de certa forma até apaixonado pelo “presente” que eu mesmo me dava já quase todos os dias. Certo dia não era mais o que eu queria, mudei, para pior, meus presentes cada vez mais caros me levaram ao primeiro furto em casa. Um momento mágico, até passar a euforia, o choro de minha mãe não conteve minhas lágrimas, mas segurei-me e não contei nada a ninguém, fingi mais uma vez.
Quando meus pais já não sabiam mais o que fazer eu decidi, era ora, então, abrirei mão de todos os meus segredos agora, não preciso de outra mentira perfeita cheia de imperfeições e de lacunas somente preenchidas por corpos frios. Depois do ultimo roubo e da ultimo presente, cheguei em casa como já era de costume nos últimos seis meses as 4h da manha, não esperei e chamei meus pais, mal sabia eu que havia sido acompanhado até em casa. Fiquei muito angustiado por acorda-los, mas precisava, assustados eles me acolheram mais uma vez.
Contei do meu primeiro cigarro, da primeira carreira de pó, do primeiro roubo para a compra de uma pedrinha que acabou com a minha vida, e foi por ela que comecei a roubar, por uma pequena pedra de crack. Abismados com as declarações meus pais não me perdoaram, eu não esperava menos, porém, já era portador além de um vicio mortal, de uma divida em mesma escala, com duas opções, ou pagar, ou morrer.
Minha mãe desmaia com as noticias, meu pai chora sem limites, e eu, já sem sentimentos, apenas fiquei calado ouvindo e vendo uma cena incomum na família de um garoto exemplar de dezessete anos.
Sei que minha vida me escapou por entre os dedos por uma escolha em partes por mim. Algo bate a porta, o sol ainda não havia raiado, meu pai nem conseguia se mexer, fui ao encontro da porta sem reação alguma, e abri. Vinham cobrar minha divida, mesmo sem dinheiro e sem noção de como conseguiria, falei a verdade, abrindo mão de tudo o que havia escondido, inclusive da minha vida, todos ouviram, mesmo de armas em punho deixaram eu falar.
Nem bem acabei, ouço uma voz perguntando do dinheiro, meu pai saltou oferecendo a casa, o carro, as joias de minha mãe que em poucos minutos atrás estava recuperando a consciência. Uma resposta negativa e agressiva foi o que ouvi, um engatilhar da arma de algum deles, e uma ultima voz pedindo, ou o dinheiro, ou uma vida. Negativamente respondi com a cabeça, e antes de ouvir o disparo, ouvi um grito de “te amo meu filho”, abafado pelo som do projetil vindo em minha direção e perfurando o corpo de meu pai.
A pior cena de minha vida, um corpo quente se tornando frio da pessoa que mais me amou, a frieza de quatro homens de preto saindo calmamente de minha casa e minha mãe agora bem acordada, chorando e me culpando por tudo. Apesar da vergonha eu enterrei meu pai, luto ainda contra um vicio que matou meu pai assim como muitas pessoas neste mundão de Deus .
Espero que minhas palavras e minha experiência desnecessária abram os olhos e mostre o caminho, que seja para apenas uma pessoa, mas que faça.
Algumas memórias de Antonio Prado Guerra, 18 anos.
Paciente do Sanatório Santa Tereza – 25/12/2009
Diôzer R. Dias